terça-feira, 19 de maio de 2009

O desafio da Saúde e Segurança do Trabalho em pequenas empresas

Luis Renato Balbão Andrade
Cenário Atual


De maneira geral as pequenas empresas se vêem obrigadas a responder demandas na área de saúde, segurança e meio ambiente do trabalho sem, contudo, na maioria dos casos, estarem preparadas e tão pouco contarem com o apoio necessário para tal.

É sempre bom que se diga que uma pequena empresa não é uma versão menor de uma grande empresa. Ela é diferente. Da mesma forma que uma criança não é um adulto de pequena estatura, são desiguais.

Estas diferenças precisam ser levadas em conta quando se planejam estratégias, leis ou ações que pretendam atingir o universo das pequenas empresas. Em se tratando de direitos trabalhistas a questão é ainda mais complexa pois não se pode suprimir direitos de colaboradores de pequenas empresas visto que os mesmos não são nem mais nem menos, como pessoas, do que os funcionários das grandes corporações. O que se deve ter são formas alternativas de aplicação da lei, por exemplo, de maneira que se possa equiparar direitos tratando as diferenças entre grandes e pequenas organizações. É lícito supor, portanto, que se deva dar tratamento desigual aos desiguais.

Geração de postos de trabalho ou ocupação

Outro aspecto a ser considerado é a enorme importância da PE na geração de postos de trabalho. O emprego formal como conhecemos hoje está declinando juntamente com o movimento econômico que o criou, a revolução industrial, lentamente substituída pela revolução da informação e, em vista disto, não se deveria falar em busca de "emprego decente" mas sim em "postos de trabalho" com condições decentes. A expressão "posto trabalho" que muito bem poderia ser substituída por "ocupação", neste contexto, é muito mais abrangente do que simplesmente "emprego".

Os governos, de maneira geral, esforçam-se por criar empregos quando na verdade deveriam pensar em criar ocupação para seus cidadãos. Buscar formas alternativas de ocupação que possam decentemente incorporar um exército de pessoas hoje desempregadas à população economicamente ativa, restituindo-lhes a esperança e a cidadania é ir de encontro ao futuro. O empreendedorismo, com a conseqüente criação de micros e pequenas empresas é peça fundamental nesta engrenagem. O impressionante é que isto já esta acontecendo de fato (uma parte considerável da mão de obra está em PE, não raro de maneira informal) mas sem que haja uma política social coerente. Na verdade o apoio ao empreendedor e a outras formas de ocupação ainda é muito tímido em nosso meio, fazendo com que este movimento esteja muitas vezes às margens da lei.

SST e terceirização

Em relação à SST, aqueles que trabalham na área sabem que praticamente todos os acidentes do trabalho são causados por fatores que podem ser prevenidos e eliminados caso se apliquem medidas preventivas, na grande maioria dos casos já conhecidas e até mesmo previstas em normas específicas.

A tendência de formas mais flexíveis de organização do trabalho como o forte aumento das relações de trabalho temporário ou terceirizado (a esmagadora maioria das PME ou terceirizam ou são terceirizadas), acompanhada com freqüência, da falta de capacitação dos trabalhadores para executar certas tarefas, do desconhecimento deles sobre os riscos, dos comportamentos provocados pela insegurança no trabalho, da pressão psicológica, tem notáveis conseqüências para a SST.

O recurso da subcontratação (terceirização, quarteirização, etc) está presente em praticamente todos os ramos econômicos, mas na indústria da construção é a prática dominante. Assim, na indústria da construção, muito mais que em outras áreas, a subcontratação fomenta a aparição de pequenas empresas que, na maioria dos casos, não dispõem dos conhecimentos, meios tecnológicos e recursos necessários para aplicar programas de controle dos riscos para a saúde e o meio ambiente, em particular quando operam na economia informal (às margens da lei). Este processo de subcontratação, embora com inúmeros aspectos positivos (não se é contra a terceirização) revela uma faceta perversa: a grande empresa (construtor ou incorporador) exporta ou terceiriza o risco, deixando a cargo de empresas menores as tarefas "menos nobres" via de regra mais perigosas ou insalubres. Qualquer estratégia séria de SST para PE na indústria da construção, deve levar em conta estes aspectos e, se for o caso, desenvolver mecanismos de controle ou de maior envolvimento da parte mais elevada da pirâmide no processo de prevenção e controle de riscos gerados pela atividade produtiva de toda a cadeia.

Esta situação faz com que seja cada vez menos clara a distinção entre as pessoas empregadas e os trabalhadores por conta própria ou terceirizados, e em conseqüência, também falta clareza às responsabilidades do empregador (empreendedor) em matéria de formação e informação sobre SST e a supervisão geral das condições do trabalho. Novas formas de organização do trabalho certamente exigirão novas balizas legais.

Que fatores influenciam a não adoção de ações em prol da SST em PME?

Sem a pretensão de valorar ou priorizar cada um dos fatores listados abaixo, é de imaginar que eles cubram uma parcela significativa das razões pelas quais as PE, em grande maioria, não atendem aos requisitos mínimos de SST. Assim, podemos citar:
• Dificuldades para conseguir capital e crédito (falta dinheiro);
• Desconhecimento sobre a legislação de SST. A legislação e as recomendações técnicas associadas são muitas vezes complexas e de difícil compreensão, além do quê desviam recursos de áreas essenciais ou prioritárias para a sobrevivência do negócio;
• Precariedade de infra-estrutura física de pessoal e equipamentos;
• Busca de benefícios e/ou resultados de curto prazo;
• Enfoques de gestão informais, personalistas e centrados no problema (não genéricos);
• Manutenção da rotina do negócio;
• Pequena estrutura diretiva, focada em outras áreas;
• As empresas não são membros ou não participam ativamente de associações industriais ou de classe;
• Dificuldade para fazer valer seus interesses no desenvolvimento de políticas, estratégias e regulamentação;
• Fiscalizações da autoridade laboral (auditores fiscais das Delegacias Regionais do Trabalho e Emprego) pouco freqüentes ou mesmo inexistentes;
• Hostilidade em relação aos serviços públicos, não só os ligados à inspeção/autuação;
• Menor acesso a fontes de informação;
• Renúncia à capacitação formal (menor formação em SST);
• Pouca ou nenhuma experiência fora da empresa ou do segmento econômico;
• As empresas recebem pouca ou nenhuma assessoria em SST através de seus serviços intermediários (contadores, por exemplo);
• Falta de acesso fácil aos serviços de apoio adequados (falta informação de quais serviços disponíveis e quem pode oferecê-los);
• Resistência a receber ajuda externa, mesmo que, quando questionados, demandem formação acessível, relevante e barata;
• As empresas são resistentes às consultorias também pelos altos custos;
• As empresas são parcialmente conscientes dos seus próprios riscos, mais no que diz respeito a acidentes do trabalho do que a doenças ocupacionais;
• A idéia errônea de que pequena empresa significa também pequeno risco em relação à saúde e segurança no trabalho.
• A falta de conhecimento a respeito dos custos envolvidos em AT e DO, desvia recursos que deveriam ser aplicados na prevenção para outros fins.
• As pequenas empresas costumam enfocar a questão sob a forma reativa: quando e se acontecer. Somente neste ponto serão tomadas providências;
• Ambiente socioeconômico externo em freqüente mudança, exigindo constantes esforços de adaptação, o que drena a capacidade já limitada para atuar em outras áreas;
• Trabalhadores pouco capacitados somados a escassos recursos para capacitá-los;
• Emprego instável e com baixa remuneração. A ênfase, até mesmo em algumas ações sindicais, se dá à manutenção do posto de trabalho e à obtenção de melhores salários. A SST torna-se uma questão "menor";
• Baixo nível de sindicalização ou de atuação efetiva com os sindicatos. Dessa forma, os trabalhadores deixam de ter acesso à informação;
• Alta rotatividade de pessoal;
• Falta de pressão social em relação a questões de SST. Questões ambientais têm maior visibilidade do que as questões ligadas à SST propriamente dita.

Quais estratégias poderiam ser usadas para fomentar a adoção de boas práticas de SST por parte da PE?

De maneira geral, é necessário um conjunto de ações sistêmicas e continuadas, sendo que a OIT preconiza que se responda a duas questões básicas:
1. Por que os empresários de PME deveriam se envolver mais na prevenção de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais?
Para tanto, devem ser adotadas estratégias de sensibilização, persuasão e motivação.
2. Como deverão trabalhar os empresários de PME para a prevenção de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais?
Para tanto, devem ser adotadas estratégias de informação, formação e assistência técnica.
Neste cenário pode-se elencar, entre muitas outras, as seguintes estratégias:
• Atuação, sempre que possível, na cadeia produtiva, envolvendo contratantes e contratados;
• Ação sindical através de patrocínio ou subsídio ao cumprimento dos regulamentos legais.
• Disponibilizar linhas de crédito especiais para as PME para adoção de medidas preventivas de SST. Feitos os cálculos, é possível que financiamentos oficiais com taxas subsidiadas, para a adoção de medidas de proteção coletiva ou implantação de sistemas de gestão de SST (SG-SST), sejam mais barato do que a conta dos acidentes do trabalho e das doenças ocupacionais paga pela previdência oficial.
• Atrelar questões de SST à concessão de crédito. Trata-se de aspecto delicado uma vez que sob outra ótica posso dificultar, ainda mais, o acesso ao crédito por parte da MPE.
• Flexibilização da forma de aplicação da legislação de SST e trabalhista para PME. Trata-se vencer o desafio de desonerar a PE garantindo a SST e demais direitos dos trabalhadores.
• Ação conjunta com os "agentes intermediários" (contadores, por exemplo).
• Criação de consórcios ou cooperativas de empresas com vistas à obtenção de assistência técnica em questões relativas à SST. Atuação em Arranjos Produtivos Locais (APL ou "cluster").
• Assistência técnica em questões de SST subsidiada por associações de classe
• Disponibilização de treinamentos em SST para empresários. O grande foco sempre foi o trabalhador, no entanto o maior responsável pela SST na empresa é o empresário (dono ou empreendedor).
• Difusão de conceitos sobre SST através da inclusão destes conceitos no âmbito geral da sociedade, inclusive no ensino básico.
• Incluir, como item fundamental e indispensável no balanço social das empresas, seus indicadores em relação à SST.

Conclusão

Sob a luz da contínua evolução do mundo do trabalho, manter e conservar o lugar de trabalho e seu entorno seguros e saudáveis é uma tarefa difícil que requer multiplicidade de competências e disciplinas para antecipar, determinar e controlar os numerosos perigos e riscos. Neste aspecto as MPE defrontam-se com desafios ainda maiores, pois como conciliar esta multiplicidade de competências necessárias com escassos recursos técnicos, de pessoal e financeiros? A resposta parece estar na aplicação de enfoques integrados que contemplem a estreita colaboração dos governantes, dos empregadores, dos trabalhadores, das associações de classe e da sociedade civil organizada como um todo.

Fonte:
http://www.cramif.fr/pdf/th4/Salvador/posters/bresil/andrade.pdf

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